O delegado muda de opinião

Porém, sem que explicasse o porquê (na noite anterior, ele tivera um encontro com Dante Michelini), Barros Faria mudou de opinião e, ao invés de estarrecer a população de Vitória, provocou riso e deboche por uma lado, e revolta, por outro. O assassino de Araceli, segundo ele, era um velho negro, demente, que perambulava pela Praia do Suá, perto da escola da menina. Começava a escalada de suborno, ou de medo. Coisa que não fazia parte do caráter de um sargento da Polícia Militar, lotado no serviço secreto, e de um vereador do MDB de Vitória. O primeiro, Homero Dias, acabaria pagando com a vida as investigações que fez. Certo de que estava mexendo em casa de marimbondos, o sargento Homero procurava se cercar de muito cuidado durante suas investigações. Tudo que apurava, ele comunicava a seu superior imediato, o capitão Manoel Araújo, também delegado de polícia, em quem confiava. A esposa, Elza, e ao sogro, João Dias, confidenciou certa vez: "Já tenho material para incriminar muita gente. Acho que o capitão Araújo já pode interrogar o filho de Constanteen Helal."

Repentinamente, Homero foi afastado do caso pelo próprio capitão Araújo e recebeu ordens de perseguir o traficante José Paulo Barbosa. o Paulinho Boca Negra, na ilha do Príncipe. Na operação, Homero foi atingido nas costas e morreu. O próprio Boca Negra diria depois, na Penitenciária de Vitória, até ser calado para sempre, tempos após, com 27 facadas:
"Quem matou o sargento Homero foi o soldado da PM que estava com ele. Eu vi quando ele atirou."

Evidências apontam para Helal e Dantinho

O vereador era Clério Vieira Falcão, falecido há cerca de seis anos, que travou incansável luta para botar na cadeia os assassinos de Araceli. Ele deflagrou uma campanha, que repercutiu em todo o país, exigindo a apuração do crime e a apuração dos culpados, que apontava: Dante de Brito Michelini, Paulo Constanteen Helal e a amante deste, Marisley Fernandes Muniz, viciada em drogas. O nome dela surgiu no caso graças à paciente investigação feita pelo perito Asdrúbal de Lima Cabral, o Dudu, que, com a ajuda de seu colega carioca Carlos Éboli, também muito contribuiu para que o caso não fosse esquecido. Louzeiro recorda, por exemplo, que certa ocasião Dudu seguiu a mãe de Araceli, Lola, até São Paulo. Ela tinha saído de Vitória vestida praticamente como uma mendiga e, num hotel da capital paulista, vestira roupas elegantes e embarcara num avião para a Bolívia. Motivo: comprar drogas para a gangue dos acusados, mesmo após a morte da filha.

Eleito deputado, Clério Falcão conseguiu formar urna CPI para apurar o caso, que obteve mais resultados que a própria polícia. Ouvida na CPI, Marisley Fernandes declarou que o casarão do Jardim dos Anjos era reduto de festas de filhos de milionários, onde se consumia grandes quantidades de cocaína e LSD.

O acusado Paulo Helau, ao centro, no dia em que foi preso, em Vitória, ES.

 

 

 

 

 

 

Ela também disse, mas depois negou, que Paulinho Helal a tinha levado ao local onde estava o corpo de Araceli, num carro onde havia um frasco com um líquido amarelo e luvas. O objetivo dele, segundo a amante, era ver se precisava despejar mais ácido no cadáver para dificultar o reconhecimento. Também convocado a depor na CPI, o perito Carlos Éboli disse que os assassinos deram uma dose excessiva de LSD a Araceli.

O Caso Araceli também fez vítimas do lado dos acusados. Uma delas foi o jovem Fortunato Piccin, um viciado que perdia completamente a razão quando se drogava em excesso. Ele foi apontado pelo capitão Manoel Araújo como suspeito do crime e morreu depois de tomar um remédio trocado, na Santa Casa de Misericórdia de Vitória, da qual Constanteen Helal era provedor. Também há suspeitas de que o próprio Jorge Michelini, tio de Dantinho, tenha sido eliminado por ameaçar contar tudo que sabia. Numa madrugada, o carro que dirigia foi atingido pelo ônibus de uma empresa, cujos veículos só circulavam até meia-noite. Segundo Louzeiro, outros dois assassinados foram um mecânico que prestava serviços para Paulinho Helal e o porteiro do Edifício Apolo.

O corpo de Araceli, segundo as investigações, teria sido levado num Karmann-Ghia do Edifício Apolo para o Bar Franciscano, onde ficou dentro de uma geladeira. Posteriormente, o corpo teria sido conduzido à Santa Casa de Misericórdia, com a cumplicidade do funcionário do serviço de necrópsia Arnaldo Neres, que viraria depois dono de funerária. Finalmente, o cadáver da menina foi deixado no terreno baldio. Muita gente viu e soube do que estava acontecendo durante aqueles dias. Os carrascos de Araceli fizeram tudo quase abertamente, tal a certeza da impunidade. O inquérito policial não passou de uma farsa e o longo processo judicial não conseguiu transformar evidências em provas.
Ainda assim, em agosto de 1977, o juiz Hilton Sily (falecido em abril passado), determinou a prisão de Dante de Brito Michelini e Paulo Constanteen Helal, pelo assassinato de Araceli, e de Dante Barros Michelini, acusado de tumultuar o inquérito para livrar o filho. Em outubro do mesmo ano eles já estavam soltos e o juiz havia sido "promovido" a desembargador. Em 1980, Dantinho e Paulinho foram julgados e condenados, mas a sentença foi anulada. Em novo julgamento, realizado em 1991, os reús foram absolvidos.

O crime já prescreveu. Mas o Caso Araceli é uma ferida que nunca cicatrizou completamente. Mexer com o assunto em Vitória ainda desperta medo, revolta e incredulidade.

 

Jozé Louzeiro: "O caso já produziu treze mortes"
Foram mais de 20 viagens ao Espírito Santo, incontáveis depoimentos, "50 quilos de provas", como ele gosta de dizer. O escritor José Louzeiro entrou de cabeça no Caso Araceli, foi processado, se indignou, foi censurado por conta do livro "Araceli, Meu Amor" , mas não se calou. E não se cansa de repetir: quem drogou, estuprou, seviciou, espancou, matou, desfigurou e abandonou o corpo de Araceli foram Dante Michelini e Paulo Helal. "Hoje são cidadãos acima de qualquer suspeita. Pais de familia honrados", ironiza. Louzeiro não tem dúvidas: o caso foi a consagração da impunidade no país. "Depois de quilos e quilos de provas, de testemunhas morrendo pelo caminho, do trabalho abnegado de um perito, o Asdrúbal Cabral, e de um juiz sério, o Hilton SiIy, não houve justiça", assinala. Contudo, para o escritor, os dois principais acusados não tinham intenção de matar Araceli. A menina tinha ido levar um envelope contendo drogas a Dantinho, Paulinho e outros, num apartamento do Edifício Apoio. Excessivamente drogados, os acusados passaram a abusar da garota, cada vez com mais selvageria. "Eles tiraram pedaços da vagina, da barriga e dos peitos da menina. E depois jogaram ácido no corpo." Na contagem do escritor, já chega a 13 o número de vítimas do Caso Araceli. Ele inclui o deputado Clério Falcão, que ajudou a detonar a onda de resistência ao esquema de acobertamento do crime. De acordo com Louzeiro, Clério morreu há seis anos na Santa Casa de Vitória (lembra?) depois

de tomar uma injeção por conta de um acidente de trânsito "sem gravidade".

 

 

 

 

 

 

 

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Crédito das fotos: Ag. Estado, Ag. o Globo, Marcelo Hollanda.